Após 10 anos das últimas recomendações, o European League Against Rheumatism (EULAR) publicou em abril/18 novo documento para o manejo da Síndrome Behçet (SB).
Esta nova publicação surgiu da necessidade de atualizar o tratamento da SB, já que nos últimos anos houveram várias publicações com novos agentes terapêuticos, além do ganho de experiência com o uso de biológicos. O documento teve a participação de reumatologistas, oftalmologistas, clínicos, gastroenterologistas, dermatologistas, cirurgiões vasculares e pacientes.
A primeira mudança vem logo no título, pois foi optado pelo uso de “síndrome” no lugar de “doença”, que seria um termo mais adequado para contemplar a constelação de sintomas vista no Behçet. Embora não tenha ocorrido consenso quanto a esta questão, foi uma decisão majoritária. A publicação traz 5 princípios e 10 recomendações para o tratamento da SB, que abordaremos a seguir.
Princípios para o tratamento da SB |
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A SB é uma condição que cursa tipicamente com períodos de remissão e recorrência, sendo o objetivo do tratamento suprimir as recorrências e exacerbações inflamatórias para evitar dano irreversível aos órgãos. |
A abordagem multidisciplinar é necessária para otimização do cuidado. |
O Tratamento deve ser individualizado de acordo com idade, gênero, tipo e gravidade dos danos aos órgãos e preferência do paciente. |
Acometimento ocular, vascular, neurológico e gastrointestinal estão associados com pior prognóstico. |
As manifestações da doença podem melhorar com o tempo em muitos pacientes. |
Recomendações do EULAR para manejo da Síndrome de Behçet com nível de evidência, grau de recomendação e nível de concordância.
Manifestação | Nível de concordância | Recomendações | Nível de evidência e recomendação |
Manifestações mucocutâneas | 9,4 + 0,8 |
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Evidência IB; Recomendação A/D |
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Evidência IV
Recomendação D |
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Evidência IV
Recomendação D |
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Evidência IB
Recomendação A |
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Manifestações
oculares |
(9,5 + 0,6) |
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Evidência I
Recomendação B Evidência I Recomendação B Evidência II Recomendação A Evidência II Recomendação A Evidência II Recomendação A |
(9,4 + 0,7) |
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Evidência IIA
Recomendação B |
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Uveíte anterior isolada | 9,0 + 0,8 |
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Evidência IV
Recomendação D |
Trombose venosa profunda aguda | 9,3 + 0,8 |
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Evidência III
Recomendação C |
Trombose venosa refratária | 8,7 + 0,8 |
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Evidência III
Recomendação C |
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Evidência III
Recomendação C |
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Envolvimento arterial | (9,2 + 0,9) |
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Evidência III
Recomendação C |
(9,0 + 1,0 |
|
Evidência III
Recomendação C |
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Manifestação gastrointestinal | 9,2 + 0,9 |
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Evidência III
Recomendação C |
Manifestação gastrointestinal grave/refratária | 8,8 + 0,9 |
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Evidência III
Recomendação C |
Manifestação neurológica | (9,1 + 1,2) |
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Evidência III
Recomendação C |
(9,0 + 0,8) |
|
Evidência III
Recomendação C |
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Manifestação articular | 9,0 + 1,0 |
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Evidência IB
Recomendação A |
As recomendações atuais visam padronizar o cuidado com pacientes com SB. No entanto, inevitavelmente haverá diferenças na gestão entre os países, variação geográfica da doença, diferenças nos cuidados dos sistemas de saúde, diferenças culturais que levam a diferenças nas expectativas e preferências dos pacientes e diferenças nas políticas de reembolso. Alguns exemplos de tais diferenças estão relacionados à dose e à duração do uso de glicocorticoides, com uso mais frequente em alguns centros, preferência de interferon alfa em vez de anti-TNF, anticoagulação em pacientes com trombose venosa profunda e tipo de intervenção cirúrgica utilizada para o envolvimento arterial.
Um dos pontos fortes das recomendações do EULAR é que a força-tarefa foi composta por especialistas de vários países e de todas as especialidades envolvidas no cuidado de pacientes com SB, permitindo a incorporação de muitas perspectivas sobre diferentes aspectos da doença. Outra ponto positivo foi o envolvimento de dois pacientes com SB que estavam ativamente envolvidos em todas as etapas, incluindo a seleção de questões de pesquisa para a revisão sistemática.
A principal limitação desse trabalho é que, para o tratamento de manifestações vasculares, gastrointestinais e envolvimento do sistema nervoso, na SB as recomendações ainda são fundamentadas, na sua maior parte, em estudos observacionais, não controlados, e em opiniões de especialistas.
Há vários estudos randomizados e controlados com múltiplos agentes para o envolvimento mucocutâneo, articular e ocular, mas poucos são “head to head”. Há também carência de estudos que avaliem a eficácia de diferentes estratégias terapêuticas para a SB, tanto para uma abordagem “crescente” quanto para uma abordagem “decrescente”.
Outra limitação dessas recomendações é que não foram incluídas considerações econômicas que possam levar a abordagens diferentes entre os países.
Referências
1. – HATEMI. G, et al. 2018 Update of the EULAR recommendations for the management of Behcet’s syndrome. Ann. Rheum. Dis., p. 1-11, 2018.
2. – HATEMI, G. et al. EULAR recommendations for the management of Behcet disease. Ann. Rheum. Dis., v. 67, p. 1656-1662, 2008.
3. – VAN DER HEIJDE, D. et al. 2014 Update of the EULAR standardised operating procedures for EULAR-endorsed recommendations. Ann. Rheum. Dis., v. 74, p. 8-13, 2015.
Autor(a):
Luciana Feitosa Muniz
– Reumatologista pela Universidade de São Paulo (USP) e Sociedade Brasileira de Reumatologia
– Doutorado pela USP
– Médica-colaboradora do Hospital Universitário de Brasília/Universidade de Brasília (UnB)