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Carcinoma escamoso de laringe em paciente com esclerose sistêmica progressiva

RESUMO:

Este é o caso de um homem com diagnóstico de esclerose sistêmica, que foi diagnosticado com carcinoma de laringe em estado avançado, seis anos após o início do acompanhamento.

O paciente apresentava-se com alterações articulares importantes em mão, rigidez articular, pele lisa e microstomia. Procurou o serviço por notar tumorações na região submandibular, associada à importante disfagia. Tomografia de pescoço mostrava lesão infiltrativa e biópsia de laringe e hipofaringe, com confirmação para carcinoma escamoso invasor.

Esse caso demonstra a importante relação entre a esclerose sistêmica e o aparecimento de câncer anos após o diagnóstico.

INTRODUÇÃO

A esclerose sistêmica é uma doença reumática imunomediada, que caracteriza-se por fibrose cutânea, órgãos internos e vasculopatia. Nos Estados Unidos, dados apontam uma incidência de aproximadamente 20 casos por milhão por ano e uma prevalência de aproximadamente casos por milhão. Não existem estudos brasileiros que descrevam a prevalência e incidência, o que pode ser atribuído ao fato de ser uma doença rara e do alto grau de miscigenação da população.

Os critérios diagnósticos do American Rheumatism Association de 1980 para esclerose sistêmica são:

1. Esclerodermia proximal é o único critério maior; sensibilidade de 91% e especificidade em 99%;

2. Esclerodactilia, ulcerações de polpas digitais e reabsorção de falanges distais, como resultado de isquemia, fibrose nas bases pulmonares presentes em radiografia de tórax.

Existem duas formas clínicas, de acordo com os critérios de LeRoy, em que a esclerodermia pode ser classificada, sendo a esclerose sistêmica cutânea difusa, com fenômeno de Raynaud – dentro de um ano, afeta tronco, face, membros, crepitação tendínea e comprometimento visceral (fibrose pulmonar, crise renal, doença gastrointestinal difusa e miocardioesclerose); e a forma cutânea limitada, com fenômeno de Raynaud presente por anos – envolvimento da pele em ritmo lento, com preferência para cotovelos, joelhos e face. Além de apresentar calcinose e telangiectasias.

Quanto aos critérios de 1980, existem algumas limitações, dentre as quais destacam-se que elas não classificavam algumas formas cutâneas limitadas, não incluíam anticorpos, dentre outros. Em 2013, o European League Against Rheumatism (EULAR) e o American College of Rheumatology revisaram os critérios diagnósticos, aprimorando sensibilidade e especifi cidade, principalmente no diagnóstico precoce.

A associação da esclerose sistêmica com câncer é descrita em diversos estudos populacionais, sendo os principais relatados: pulmão, câncer de pele não-melanoma e hepático. Adenocarcinoma de esôfago é relatado principalmente decorrente do refluxo gastroesofágico crônico. Nesta situação, apresentamos um caso de carcinoma de laringe em um paciente com diagnóstico de esclerose sistêmica há 6 anos.

RELATO DE CASO

Paciente de 58 anos, masculino, pardo, lenhador aposentado, etilista e tabagista há 30 anos, procedente de Iaciara-GO, com diagnóstico de esclerose sistêmica progressiva desde 2011, apresentando acometimento cutâneo difuso associado às retrações articulares. Em 2013, procurou o serviço com queixas pulmonares, sendo realizados exames complementares que mostram acometimento respiratório – Espirometria mostrava redução de capacidade vital e Tomografia computadorizada mostrava fibrose pulmonar em lobos inferiores, bronquiectasias. Desde então, paciente ficou em acompanhamento ambulatorial é foi iniciada ciclofosfamida, porém, devido a baixa adesão, foi substituída por azatioprina.

Procurou o serviço em março de 2017, com queixa de aparecimento de tumorações, desde novembro de 2016, em região submandibular dolorosa, associada à presença de disfagia progressiva de sólidos até pastosos – posteriormente. Apresentava tosse com hemoptoicos, além da perda de peso de 6kg em 3 meses. Além das drogas já descritas, fazia uso também de omeprazol, amiodarona, ácido acetilsalicílico e prednisona. Ao exame físico, o paciente estava emagrecido, com fácies esclerodermias e microstomia. Presença de tumorações em região submandibular, fixas e indolores.

Histórico de tabagismo: 28 maços/ ano, com cessação junto ao diagnóstico de esclerose sistêmica.

Ecografia cervical mostrou linfonodomegalias, com centro necrótico, em cadeia submandibular esquerda. Tomografia de pescoço mostrou extensa lesão infiltrativa, envolvendo o espaço mucoso faríngeo da orofaringe, estendendo-se para o assoalho da boca, medindo aproximadamente 6,4 cm no eixo longitudinal; 4,3 cm antero-posterior e 3,2 cm latero-lateral. Linfonodomegalia necrótica na cadeia cervical II A e II B. Tomografia de tórax mostrou imagem cística em base posterior pulmonar esquerda (?)

Biópsia de laringe e hipofaringe mostrou carcinoma escamoso invasor moderadamente diferenciado. Dois meses após, o paciente foi submetido à traqueostomia de emergência, devido ao risco de Insuficiência Respiratória, por conta da massa tumoral. Foi iniciada quimioterapia adjuvante, enquanto aguardava-se pela radioterapia. O paciente ficou seis meses no serviço, onde foi encaminhado para os Cuidados Paliativos.

DISCUSSÃO:

Descrevemos um caso de câncer de laringe em paciente com diagnóstico de esclerose sistêmica já há 6 anos antes. Na prática ambulatorial, é pouco comum os casos de esclerodermia e torna-se raro quando considerado o sexo masculino.

A relação do câncer com esclerodermia na população é consideravelmente maior que a população geral. A descrição da formação de esclerodermia e neoplasia é apontada em diversos estudos. Uma metanálise selecionou 16 estudos originais, 33 estudos de cortes e 3 estudos de caso-controle, em diversas regiões do mundo (EUA, Europa, Austrália, Japão e Taiwan). Essa análise contou mais de 7000 pacientes e apontou uma predominância nos cânceres de pulmão (adenocarcinoma principalmente), hematológicos e de mama (além de outros sítios, como gastrointestinal, prostático, renal etc.).

Os mecanismos do câncer nos pacientes com esclerose sistêmica ainda são pouco conhecidos e controversos. Dentro dos fatores importantes, podem ser citados a terapia imunossupressora para esclerodermia e o processo inflamatório crônico – associado ao reparo, poderia predispor uma transformação maligna. Este último mecanismo poderia ser associado principalmente ao câncer de pulmão e o adenocarcinoma de esôfago, por conta da fibrose pulmonar e doença do refluxo gastroesofágico.

Shah e Rose observaram 23 pacientes com esclerose sistêmica e diagnosticados com câncer. Constataram relação estreita entre a esclerose e a neoplasia, além da presença de anticorpos RNA polimerase III – e esses, muitas vezes, tinham o diagnóstico de câncer precedendo a esclerodermia em até 2 anos. Biópsia da lesão desses pacientes, com essa expressão de anticorpos, tinha um padrão nucleolar diferente da RNA polimerase III, quando comparado ao de outros pacientes. A relação da esclerose sistêmica com o câncer ainda tem mecanismos pouco compreendidos – se a doença é um preditor de câncer no futuro ou se faz parte de uma síndrome paraneoplásica. No caso do paciente apresentado, houve um período de seis anos para o diagnóstico da esclerodermia, o que não favorece muito o fator de síndrome paraneoplásica.

Em conclusão, os relatos de risco de neoplasia na população com esclerose sistêmica são descritos em vários estudos populacionais. Entretanto, ainda não se conseguiu traçar a fisiopatologia do quadro.

Referências

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14. Manual Prático – Esclerose sistêmica. Sociedade Portuguesa de Reumatologia.


    Autores:

    • Julinaide Nunes Matos, Wallace Tássio da Silva Moura,
      Mário Bezerra da Trindade Netto, Leila Villas Boas Rosset