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MEDITAÇÃO MINDFULNESS NO TRATAMENTO DA FIBROMIALGIA

INTRODUÇÃO

A fibromialgia é uma condição crônica que acomete cerca de 3% dos adultos, caracterizada por dor generalizada, fadiga, distúrbios do sono, distúrbios cognitivos e sofrimento físico e psicológico (isto é, depressão, ansiedade e estresse).

Como não há cura definitiva para a fibromialgia, o tratamento concentra-se principalmente no manejo dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida do paciente. Isso envolve uma abordagem multidisciplinar abrangente, que consiste em modificações no estilo de vida, medidas farmacológicas e outras abordagens complementares, incluindo, mas não se limitando, a acupuntura, ioga, tai chi e meditação. Tais recomendações foram revistas e apresentadas em 2017 pela Liga Europeia Contra o Reumatismo (EULAR).

MEDITAÇÃO

Pesquisas crescentes sugerem que terapias baseadas em meditação podem ser úteis como tratamentos para condições médicas crônicas.

A meditação é um conjunto de práticas milenares que permitem cultivar e desenvolver qualidades humanas fundamentais. Etimologicamente, as palavras sânscrita e tibetana, traduzidas por “meditação”, são respectivamente bhavana, que significa “cultivar”, e gom, “familiarizar-se”. Trata-se, principalmente, de familiarizar-se com uma visão clara e sem julgamento das coisas e de cultivar qualidades que nós todos possuímos, mas que permanecerão em estado latente enquanto não nos esforçarmos para desenvolvê-las. A meditação produz deliberadamente formas de êxtase, além de estados experimentais de consciência, que podem ser usados para aprendermos a respeito de nós mesmos e do mundo, para desenvolver o nosso potencial mental e ampliar as suas possibilidades.

Nos últimos anos, a meditação passou de um processo unicamente místico de busca espiritual para um método complementar eficaz em diversas situações de saúde e, desta forma, tornou-se necessária a definição do conceito operacional de meditação, publicado por Cardoso e cols em 2004 – Para ser caracterizado como meditação, devem estar presentes os seguintes elementos: uso de uma técnica específica (claramente definida); relaxamento muscular em algum ponto do processo (como indicador do relaxamento psicofísico); relaxamento da lógica (não se envolver em sequências de pensamentos); deve ser, necessariamente, um estado autoinduzido; e utilizar um “artifício de autofocalização”, cognominado de “âncora” (fig. 1).

Fig. 1. O uso da âncora. Durante a meditação, toda a atenção deve ser mantida na habilidade de autofoco, a chamada âncora. Este artifício permite o chamado “relaxamento da lógica”. No momento em que o aprendiz se perceber envolvido em qualquer tipo de pensamento, ele voltará imediatamente para ser “focalizado na âncora”. Este exercício, repetido sucessivamente, parece constituir a base da meditação.

Fonte: Cardoso e cols, 2004 (tradução).

MEDITAÇÃO MINDFULNESS (ATENÇÃO PLENA)

A definição de mindfulness, traduzido para o português como atenção plena, foi proposta por Kabat-Zinn como “prestar atenção de uma maneira particular: de propósito, no momento presente e sem julgar”. Elementos básicos incluem autorregulação da atenção e assumir uma posição não crítica em relação à sua experiência. A prática da meditação mindfulness para aliviar o sofrimento humano existe há mais de 2500 anos e a atenção plena tem sido aplicada a questões de saúde psicológica em um contexto secular e ocidental desde a década de 1970.

A atenção plena deriva da prática budista e se preocupa em concentrar a consciência na experiência sensorial e psicológica de momento a momento. Entende-se que a prática aumenta a distância perceptual de estímulos sensoriais e psicológicos angustiantes e essa objetivação da dor ajuda a regular seu impacto no funcionamento psicossocial.

PROGRAMA DE REDUÇÃO DE ESTRESSE BASEADO NA ATENÇÃO PLENA (MBSR)

O programa Redução do Estresse Baseado na Atenção Plena (MBSR) é uma intervenção multicomponente destinada a aliviar o sofrimento por meio do cultivo da atenção plena. Trata-se de um programa de 8 semanas, desenvolvido por Kabat-Zinn em 1979, para aplicação, inicialmente, em profissionais de saúde que viviam sob grande estresse nos hospitais. O MBSR utiliza habilidades de redução do estresse, incluindo a meditação sentada, hatha yoga e uma técnica somaticamente focada, chamada escaneamento corporal.

Os participantes são encorajados a manter a atenção em sua experiência imediata, com uma atitude de abertura, aceitação, curiosidade e compaixão. A exposição repetida dos participantes à atenção plena ajuda-os a aprender a fazer uma pausa e a escolher sua resposta à dificuldade, em vez de reagir sem pensar (Fig. 2). O programa apoia o desenvolvimento de uma posição não crítica em relação às experiências de alguém e ajuda os participantes a encontrarem estratégias adaptativas para trabalhar com circunstâncias estressantes, assim como a reduzir o impacto negativo de sensações e pensamentos associados à dor crônica.

Fig. 2 – Ciclo do mindfulness.

ESTUDOS CLÍNICOS

A necessidade de tratamentos mais eficazes para a fibromialgia, incluindo aqueles sem os efeitos colaterais da farmacoterapia, levou ao crescimento da investigação científica sobre as aplicações do mindfulness. Como o MBSR é um programa formal e com passos bem estabelecidos, o que permite a reprodutibilidade e maior confiança nos resultados, torna-se um bom método para ser utilizado nas pesquisas que procuram correlacionar os efeitos da meditação e o controle de doenças crônicas.

Diversos estudos examinaram o impacto do MBSR em pacientes com fibromialgia e encontraram benefícios em relação aos sintomas de dor, depressão, sofrimento psicológico, ansiedade, qualidade de vida e sono. Uma metanálise (n = 674), que incluiu seis ensaios clínicos randomizados (ECR) utilizando o MBSR, concluiu que levou melhorias a curto prazo na qualidade de vida e em relação à dor, em comparação ao tratamento usual ou grupos controle ativos.

Um ensaio prospectivo randomizado aplicou o MBSR em 51 mulheres versus 40 participantes controlados (lista de espera). O estudo revelou melhorias significativas sobre o estresse percebido, a dor, a qualidade do sono, a fadiga e a gravidade do sintoma, que persistiram em 2 meses de seguimento. Além disso, os pacientes que praticaram em casa, após a conclusão do estudo, relataram melhores medidas de desfecho do que os pacientes que pararam ao final do estudo. Outro estudo randomizou pacientes com fibromialgia para educação/apoio ou treinamento em meditação mindfulness e prática de Qi Gong por 8 semanas. Ambas as medições de educação/apoio e mindfulness foram associadas a melhorias na dor, sintomas depressivos e funções diárias e foram igualmente eficazes na redução do sofrimento.

Um estudo de revisão recente (n = 702), incluindo 10 ECR, estudos prospectivos ou retrospectivos, utilizando MBSR e técnicas de segunda geração de mindfulness relatou efeitos de tratamento de leve a moderado.18 Enquanto que, em outro estudo randomizado e controlado, os participantes submetidos ao Treinamento de Conscientização em Meditação (MAT) demonstraram melhorias significativas em relação ao grupo de controle quanto aos níveis de sintomatologia da fibromialgia, percepção da dor, qualidade do sono, sofrimento psicológico, não-apego e engajamento cívico. Os ganhos terapêuticos atribuídos ao MAT foram mantidos (e, em alguns casos, levemente aumentados) nos 6 meses de seguimento.

Em relação ao sono, foi aplicado um programa de treinamento de atenção plena chamado Meditação de Fluxo. Os resultados mostraram que, em comparação com o grupo controle (lista de espera), os indivíduos do grupo atenção plena demonstraram melhorias significativas em todas as medidas de desfechos relacionados ao sono (insônia subjetiva, qualidade do sono, sonolência e problemas de sono) e que os efeitos da intervenção foram mantidos em uma avaliação de acompanhamento de 3 meses.

CONCLUSÃO

A fibromialgia é uma síndrome complexa, que é melhor administrada com uma abordagem abrangente e multidisciplinar. As técnicas de meditação baseadas em mindfulness tem se mostrado promissoras, porém, estudos maiores precisam ser realizados para apoiar ainda mais as evidências atualmente disponíveis. No entanto, como essas intervenções têm um risco relativamente baixo, devem ser consideradas no tratamento complementar de pacientes com sintomas refratários.

Referências

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Maira de Faria Polcheira

  • Médica Nefrologista responsável pelo serviço de Hipertensão Arterial do CEDOH (Centro Especializado em Diabetes, Obesidade e Hipertensão)
  • Mestranda em Gestão em Saúde pela FEPECS
  • Referência Técnica Distrital – colaboradora em nefrologia da SES-DF
  • Referência Técnica Distrital em meditação da SES-DF
  • Instrutora de meditação, automassagem e reiki
  • Contato: mairapolcheira@hotmail.com